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18 de Abril de 2024

O Amicus Curiae no novo Código de Processo Civil

Elpídio Donizetti*

INTRODUÇÃO

Os dicionários jurídicos definem o amicus curiae como sendo o “amigo da corte"ou o “colaborador da Corte”. Em nosso ordenamento tal definição parece não encontrar sentido, a não ser que consigamos interpretá-la através de uma equiparação com outros institutos, como fez o professor Cássio Scarpinela Bueno – grande estudioso do tema –, cujos ensinamentos transcrevemos:

“[...] Não me parece nem um pouco despropositado equiparar o amicus curiae a uma das funções que, entre nós, o Ministério Público sempre exerceu e continua a exercer, a de fiscal da lei (custos legis) e, em menor escala, ao perito ou, mais amplamente, a um mecanismo de prova no sentido de ser uma das variadas formas de levar ao Magistrado, assegurada, por definição, sua imparcialidade, elementos que, direta ou indiretamente, são relevantes para o proferimento de uma decisão”[1].

De fato, o amicus curiae tem como papel fundamental legitimar as decisões judiciais, através de uma fiscalização abstrata acerca do enquadramento de determinadas normas aos preceitos constitucionais ou mediante fornecimento de elementos informativos – inclusive dados técnicos – sobre temas imprescindíveis à resolução de determinadas controvérsias.

No Brasil, as intervenções na qualidade de amicus curiae começarem a ser autorizadas por lei para certas entidades reguladoras e fiscalizadoras.

Essa figura surgiu originalmente com o advento da Lei nº. 6.385/76, que previu a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários nos processos que discutiam matéria de sua competência.[2] Em seguida, foi publicada a Lei nº. 8.884/94, que possibilitou a intervenção do Conselho Administrativo de defesa Econômica (CADE) nas ações relacionadas ao direito da concorrência.[3]

Também o Estatuto da OAB (Lei nº. 8.906/94) trouxe previsão que possibilitando a intervenção da Ordem dos Advogados, através de seu Presidente, nos processos ou inquéritos em que fossem partes os advogados. A Lei nº. 9.279/96, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, também previu a intervenção do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) nas ações de nulidade de registro de patente (art. 57), de desenho industrial (art. 118) e de marca (art. 175).

Em síntese, todas as legislações anteriores visavam possibilitar a intervenção processual de órgãos ou entidades interessadas no desfecho da demanda.

Entretanto, somente com a edição da Lei nº. 9.868/99, que cuida da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, é que a figura do amicus curiae ganhou relevância no direito brasileiro.

O § 2º do art. 7º preceitua que, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades[4]. Assim, o amicus curiae passou a viabilizar a democratização do debate acerca da Constituição. Aliás, o próprio STF considera o amicus curiae como fator de legitimação das suas decisões, à medida que pluraliza o debate constitucional e fornece todos os elementos informativos necessários à resolução da controvérsia.[5] Apesar de a Lei nº. 9.898/99 só prever a participação do amicus curiae para a ADI, por analogia, também se admite intervenção do amicus curiae na ADC e ADPF.[6]

Após a Lei nº. 9.868/99, surgiram outros diplomas possibilitando a manifestação de terceiros em processos judiciais. Um exemplo é a Lei nº. 10.529/2001, que criou os Juizados Especiais Federais e, ao tratar do incidente de uniformização da interpretação de lei federal, possibilitou que eventuais interessados, ainda que não fossem partes no processo, se manifestassem sobre o pedido de uniformização (art. 14, § 7º).

Nesse contexto de valorização da participação do amicus curiae é que o novo Código de Processo Civil, acolhendo o clamor da doutrina, generalizou a atuação desse “terceiro enigmático”[7] em todos os processos judiciais.

1. NATUREZA JURÍDICA DO AMICUS CURIAE

O novo CPC incluiu a intervenção do amicus curiae como uma das modalidades de intervenção de terceiros (art. 138), consolidando o entendimento do Ministro Celso de Mello proferido no julgamento da ADI 2.130[8].

A qualidade de interveniente processual do amicus curiae é justificada em razão do alcance das decisões nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. Ora, justamente porque essas decisões têm eficácia erga omnes e efeito vinculante, atingindo vários indivíduos dentro de uma mesma sociedade, deve-se possibilitar que o debate das decisões proferidas pelo Poder Judiciário seja pluralizado.

2. INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A intervenção do amicus curiae nas ações de controle de constitucionalidade possui claro objetivo de pluralizar e legitimar o debate em constitucional. Através das informações fáticas e técnicas trazidas pelo amicus curiae, o Tribunal tem melhores condições de solucionar as controvérsias e de interpretar a Carta Constitucional da maneira que melhor atenda aos interesses da sociedade.

Nesses casos a intervenção será provocada pelo relator, requerida por uma das “partes” ou pelo próprio interessado. Nos termos do § 2º, do art. , da Lei nº. 9.868/99, a intervenção será admitida se for demonstrada a representatividade do postulante (requisito subjetivo) e a relevância da matéria (requisito objetivo). Este último requisito já está presente nos recursos cujas matérias foram reconhecidas como de repercussão geral e, em geral, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas declaratórias de constitucionalidade. Já a questão da representatividade, segundo o próprio STF, deve passar por um crivo mais apurado, evitando a proliferação de requerimentos de intervenção. A legitimação da ingerência do amicus curiae “deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional”[9]

Deferida a intervenção do amicus curiae, admite o STF que este apresente memoriais, preste as informações que lhe venham a ser solicitadas e realize sustentação oral.[10]

Entretanto, no âmbito do STJ, em questão de ordem levantada pelo Min. Teori Albino Zavascki no REsp nº. 1.205.946/SP, decidiu a Corte Especial, em 17/08/2011, que o amicus curiae não teria direito à sustentação oral, ao argumento de que essa prerrogativa, pelo regramento do tribunal, somente é conferida à parte e seus assistentes. O novo CPC, apesar de não disciplinar especificamente essa questão, incumbiu ao relator (ou ao juiz) definir dos poderes do amicus curiae (art. 138, § 2º, CPC). Assim, entendo que a possibilidade (ou não) de sustentação oral é tema a ser definido pelo relator, que deverá ponderar, diante do caso concreto, se há ou não necessidade da manifestação. Se a importância do bem jurídico ou a repercussão social da decisão impuser uma participação mais efetiva, com intenso debate oral, não há razão para não se admitir a sustentação do órgão ou entidade que estiver atuando como amicus curiae.

No que se refere à interposição de recursos, o STF, na ADI (ED) 3.105, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, entendeu que o amicus curiae carece de legitimidade recursal, salvo com relação à decisão que não o admita como tal no processo[11]. O novo CPC segue a posição do STF, ao passo que inadmite a interposição de recursos, com exceção daquele que servirá para impugnar a decisão de não admissibilidade de sua intervenção[12]. A nova lei processual também excepciona os embargos de declaração e o recurso em incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, §§ 1º e 3º)[13].

3. INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIE SOB A ÓTICA DO NOVO CPC

O CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade de participação do amicus curiae em outras ações e não apenas nas de controle de constitucionalidade. Com efeito, o art. 138 dispõe que

“O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação”.

Como se vê, o novo Código estabelece alguns requisitos para a intervenção do amicus curiae. A relevância da matéria está presente nos recursos relativos a matérias com repercussão geral reconhecida e, em geral, nas ações declaratórias de constitucionalidade e nas ações diretas de inconstitucionalidade. Nesses casos a relevância da matéria já existe em razão da necessidade de interposição do recurso ou do mero ajuizamento (critérios objetivos para aferição do requisito). Entretanto, nas outras demandas a relevância precisa ser analisada diante do caso concreto (critério subjetivo para aferição do requisito).

O requisito relevância da matéria requer que a questão jurídica objeto da controversa extrapole os interesses subjetivos das partes. Ou seja, a matéria discutida em juízo deve extravasar o âmbito das relações firmadas entre os litigantes. Cassio Scarpinela Bueno considera, ainda, que esse requisito deve ter relação com a necessidade de se trazer aos autos outros elementos que sirvam para a formação do convencimento do juiz[14].

A especificidade do tema tem relação com o conhecimento do amicus curiae acerca do tema objeto da demanda. Esse conhecimento, que pode ser técnico ou científico, deve ser útil ao processo e à formação da convicção do juiz ou do órgão julgador para o julgamento da matéria de direito.

Sendo assim, o amicus curiae só poderá ser admitido para efeito de manifestação quando os seus conhecimentos puderem auxiliar na resolução da controvérsia. Para tanto, o julgador deve verificar a necessidade (ou não) de se analisar o mérito não apenas através dos documentos trazidos pelas partes, mas, também, por meio de elementos fáticos que tenham relação com a demanda.

Para possibilitar a intervenção do amicus curiae, o órgão julgador não deve observar apenas o aspecto jurídico da questão, mas, também, os reflexos ou a repercussão que a controvérsia pode gerar no âmbito da coletividade. Questões relevantes do ponto de vista econômico, social, político ou jurídico, que suplantem os interesses individuais das partes, merecem a intervenção de pessoas ou entidades representativas da sociedade civil. Daí porque também se exige a repercussão social da controvérsia.

Saliente-se que o amicus curiae não intervém no processo para defender seus próprios interesses. A participação formal de pessoa (física ou jurídica), órgão ou entidade, deve se fundamentar na necessidade de se defender os interesses gerais da coletividade ou aqueles que expressem valores essenciais de determinado grupo ou classe. É necessário, assim, que a intervenção seja admitida quando houver representatividade adequada, o que “não significa que o amicus curiae precise levar ao processo a manifestação unânime daqueles que representa (...). O que se quer é debater sobre pontos de vista diversos, sobre valorações diversas em busca de consenso majoritário; não a unanimidade”.[15]

O requisito da representatividade também está presente no controle concentrado de constitucionalidade (art. , § 2º, da Lei nº. 9.868/99). Nesse ponto ele se assemelha ao requisito da “pertinência temática”, utilizado para aferição da legitimidade ativa ad causam nas ações de controle concentrado.

A relação de congruência que deve existir entre as finalidades do terceiro interveniente e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle concentrado, também precisa ser observada nas demais ações que possibilitem a intervenção do amicus curiae. Se, portanto, o objeto do processo não tiver qualquer relação com os fins institucionais da pessoa (física ou jurídica), órgão ou entidade especializada, não haverá representatividade adequada a justificar a intervenção.

3.1 Procedimento

O modo de intervenção do amicus curiae pode ser espontâneo ou provocado. Isso porque o art. 138, caput do novo CPC, utiliza a expressão “de ofício ou a requerimento das partes”, o que significa dizer que a intervenção poderá se dar mediante manifestação do próprio amicus curiae (espontânea) ou através de sua intimação para manifestação em juízo (provocada).

Tanto no caso de a intervenção ser requerida pelo terceiro ou pelo juiz (ou relator), o amicus curiae terá o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar. Esse prazo só tem razão de ser nos casos de intervenção provocada, devendo ser contado a partir da intimação da decisão que, proferida de ofício, determinou a manifestação da pessoa, órgão ou entidade.

Após admissão do amicus curiae, caberá ao relator ou juiz definir os seus poderes (art. 138, § 2º). Em que pese a generalidade da redação, é preciso levar em consideração que a atuação do amicus curiae há de ser capaz de influenciar o julgamento da lide, aprimorando a decisão jurisdicional. Para tanto, deve o amicus curiae desempenhar todo e qualquer ato processual que seja correlato para se atingir essa finalidade[16], como, por exemplo, requerer a produção de provas e manifestar-se oralmente.

Frise-se que a intervenção do amicus curiae não acarreta alteração da competência (art. 138, § 1º, 1ª parte), ou seja, a regra é que esse interveniente, ao ser admitido nos autos, irá se submeter à competência já fixada para o processo.

3.2 Momento para a intervenção

O CPC/2015 não estabelece o momento para a intervenção do amicus curiae. Entretanto, em sede de controle de constitucionalidade, o STF entende que o seu ingresso somente é possível até a inclusão do processo na pauta de julgamento[17].

No mesmo sentido também já se manifestou o STJ:

“A Seção, em questão de ordem levantada pelo Min. Benedito Gonçalves, indeferiu o pedido de terceiro para ingressar no feito como amicus curiae, ou assistente, uma vez que já pautado e iniciado o julgamento, com dois votos já proferidos”. (STJ, QO no REsp nº. 1.003.955/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12/11/2008

Diante desse entendimento e levando-se em consideração a importância da atuação do amicus curiae para a instrução processual, acredito que a sua intervenção deve ser admitida a qualquer tempo, desde que antes de conclusos os autos para julgamento (nos processos de primeiro grau), ou até a data da remessa dos autos pelo Relator à mesa para julgamento (nos processos perante os tribunais).

A manifestação do amicus curiae é realizada por meio de petição simples. Quando a intervenção se der de forma espontânea, a petição deve conter as razões pelas quais a pessoa, o órgão ou a entidade pretende intervir no processo, bem como as suas considerações relativas ao mérito da causa. Frise-se que as informações apresentadas pelo interveniente não vinculam o juízo, razão pela qual a sua admissão não importa prejuízo para os litigantes.

3.3 Interposição de recursos

3.3.1 Recurso contra a decisão de (in) admite a intervenção

Como visto, o novo CPC incluiu a intervenção do amicus curiae como uma das modalidades de intervenção de terceiros. Uma das implicações dessa topografia é que, em princípio, cabível seria o agravo de instrumento em face da decisão que admite ou inadmite a intervenção do amicus curiae, uma vez que, consoante previsão do art. 1015, IX, da decisão que interlocutória que versar sobre admissão ou inadmissão de intervenção de terceiro, cabível é o agravo de instrumento.

Contudo, o dispositivo deve ser lido conjuntamente com o art. 138, caput, segundo o qual

“o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por DECISÃO IRRECORRÍVEL, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, SOLICITAR ou ADMITIR a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação” (destaques nosso).

Assim, levando-se em conta a especialidade do art. 138, pode-se concluir que a irrecorribilidade recai tão somente sobre a decisão que solicita (o próprio juiz) ou admite (pedido formulado pelas partes ou pelo próprio amicus curiae); quanto à decisão que indefere o pedido de intervenção, cabível é o agravo de instrumento.

A distinção, para efeitos recursais, entre decisão admite e inadmite a intervenção encontra justificativa na finalidade da participação do amicus curiae em todas as causas em que se verifica a relevância da matéria e a repercussão social da controvérsia. Em razão da força vinculadora dos precedentes[18], o que for decidido em uma demanda com citadas características poderá servir de norma ou no mínimo de orientação para outras decisões em idênticas controvérsias. Dessa forma, salutar é que se democratize o processo, permitindo a intervenção de pessoa, órgão ou entidade com adequada representatividade na qualidade de amicus curiae, a fim de se conferir legitimidade à norma (precedente) formada a partir da decisão judicial.

Aliás, com relação à legitimidade para interposição de recurso pelo amicus curiae, o novo Código seguiu o que dispõe o art. , § 2º da Lei n.º 9.868/1999[19], bem como a jurisprudência firmada no STF[20].

Sobre esse ponto, deve-se ressaltar que a legitimidade recursal do amicus curiae se restringe à decisão que inadmite a sua intervenção. Uma vez admitido como amicus curiae, a pessoa natural ou jurídica não tem legitimidade para interpor recurso contra a decisão de mérito.

À guisa de síntese: a) a decisão que solicita ou admite a intervenção de amicus curiae é irrecorrível; b) a decisão que inadmite a intervenção de amicus curiae é recorrível: i) por agravo de instrumento, se tratar de decisão de juiz de primeiro grau; ii) por agravo interno se tratar de decisão monocrática de relator; iii) por recurso especial se tratar de decisão de órgão colegiado dos Tribunais de Justiça ou dos TRF’s.

3.3.2 Embargos declaratórios e incidente de resolução de demandas repetitivas

O CPC/2015, além de possibilitar a interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que não admite a intervenção, também oferece ao amicus curiae a possibilidade de oposição de embargos declaratórios (art. 138, § 1º, parte final)[21]. E vai mais além. Nos termos do § 3º, do art. 138, o amicus curiae também pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Embargos de declaração é espécie de recurso que tem por finalidade esclarecer decisão obscura ou contraditória, ou, ainda, integrar julgado omisso. Como o amicus curiae intervém no processo para auxiliar o juízo, pluralizando o debate acerca da matéria objeto da controvérsia, nada mais correto que legitimá-lo a interpor essa espécie recursal contra eventual sentença ou acórdão omisso, obscuro ou contraditório.

O incidente de resolução de demandas repetitivas (ou IRDR) tem cabimento quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, for constatada uma multiplicação de ações fundadas em uma mesma tese jurídica. Com o objetivo de evitar decisões conflitantes, o juiz ou relator, as partes, o Ministério Público ou a (art. 974), poderão requerer a instauração do incidente, que será dirigido ao presidente do tribunal onde a demanda estiver sendo processada.

O tribunal que processa o incidente tem o dever de velar pela uniformização e estabilização de sua jurisprudência. Para tanto, antes de decidir a questão, poderá ouvir as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia (art. 983). Trata-se, portanto, de clara manifestação do amicus curiae, cuja finalidade é, sem dúvida, democratizar e enriquecer o debate.

3.4 Necessidade de advogado

A capacidade postulatória constitui pressuposto processual de validade e, em regra, é conferida aos advogados devidamente inscritos na OAB.

Para as hipóteses de intervenção de terceiros tratadas no CPC/73, não existem dúvidas quanto à necessidade de representação por advogado. O denunciado, o chamado, o opoente e o nomeado precisavam constituir advogado para intervir no feito, seja para postularem ou para se defenderem.

No CPC/2015, apesar de inexistir regra expressa sobre o assunto, entendo ser razoável exigir a representação por advogado em qualquer modalidade de intervenção, inclusive quando a ingerência nos autos se der pelo amicus curiae.

Sobre o tema, o STF, no julgamento da ADPF 180/SP, decidiu que o pedido de admissão do amicus curiae deve ser assinado por advogado constituído, sob pena de não ser conhecido. Entretanto, não há entendimento pacífico (seja na doutrina ou na jurisprudência). Cassio Scarpinella Bueno[22], por exemplo, considera ser desnecessária a representação por advogado nas intervenções provocadas, ou seja, naquelas solicitadas de ofício pelo juiz. Já Carolina Tupinambá[23] defende que a obrigatoriedade da representação, seja na intervenção provocada ou na voluntária, pode constituir entrave à participação do amicus curiae no debate.

CONCLUSÃO

A intervenção da figura do amicus curiae, a partir do novo CPC, poderá se fazer presente em todos os graus de jurisdição e não somente nos tribunais superiores, desde que atendidos os requisitos previstos no art. 138. Suas manifestações terão “aptidão de proporcionar ao juiz condições de proferir decisão mais próxima às reais necessidades das partes e mais rente à realidade do país”[24]. Além disso, as discussões que mereçam a intervenção do “amigo da corte” serão positivamente ampliadas, permitindo a prolação de decisões mais justas, e, portanto, mais consentâneas com as garantias estabelecidas na lei processual e na Constituição Federal.


* Elpídio Donizetti é jurista, professor e advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino. Pós-Doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina. Fundador do Instituto Elpídio Donizetti (http://www.portalied.com.br) e do Escritório Elpídio Donizetti Advogados (http://www.elpidiodonizetti.com). Entre outras, é autor das seguintes obras jurídicas: O Novo Código de Processo Civil Comparado, O Novo Código de Processo Civil Comentado, Curso Didático de Direito Civil, em co-autoria com o prof. Felipe Quintella, e Curso Didático de Direito Processual Civil.

[1] Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Amicus%20curiae.pdf

[2] Lei nº. 6.385/76, Art. 31. “Nos processos judiciais que tenham por objeto matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação”.

[3] Lei nº. 8.884/94. Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente. Essa legislação foi revogada pela Lei nº. 12.529, de 30 de novembro de 2011. O dispositivo atual, correspondente à nova lei do CADE, é o Art. 118, que assim prevê: “Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente”.

[4] O CPC/73, em seu artigo 482, § 3º, admite a intervenção do amicus curiae, no controle difuso de constitucionalidade. A redação é praticamente idêntica àquela dispensada no artigo , § 2º, da Lei n. 9.868/99.

[5] STF, ADI 2.130.

[6] STF, ADPF 46.

[7] O termo foi utilizado por Cassio Scarpinela Bueno na obra Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

[8] Antes da inclusão da figura do amicus curiae como modalidade de intervenção de terceiro, a sua natureza jurídica era tema que suscitava bastante controvérsia, notadamente no âmbito do próprio STF. O Min. Maurício Correia, ao julgar a ADI 258-AgRg, afirmou que o amicus curiae atuava como “colaborador informal da corte”, razão por que descartou a hipótese de intervenção ad coadjuvandum. Por outro lado, o Min. Celso de Mello deixou consignado, no julgamento da referida ADI, que se tratava de autêntica intervenção processual.

[9] Excerto da ementa da ADI 2.321 MC, de relatoria do Min. Celso de Mello, julgada em 25/10/2000.

[10] ADI 2675/PE, Rel. Min. Carlos Veloso; ADI 2777/SP, Rel. Min. Cezar Peluso. A tese que admite a sustentação oral do amicus curiae também está no art. 131, § 3º, c/c 132, § 2º, do Regimento Interno do STF.

[11] ADI 3105 ED, Rel. Min. Cezar Peluso.

[12] Nesse sentido: ADI 3.615-ED e ADI 2.591-ED.

[13] Conferir o item 3.3 desse artigo.

[14] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 139-141.

[15] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit., p. 118.

[16] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit., p. 116.

[17] Nesse sentido: ADI 4.071 AgRg/DF, Rel. Min. Menezes Direito, julgada em 22/04/2009; ADI 4.246, Rel. Min. Ayres Brito (decisão monocrática), julgada em10/05/2011, entre outras.

[18] Conferir o artigo “A força dos precedentes no Novo CPC”, disponível em: http://www.elpidiodonizetti.com/artigos/35.

[19] “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades” (destaque nosso).

[20] No julgamento da ADI 3.615-ED, de relatoria da Ministra Carmém Lúcia, a Suprema Corte ressalvou a possibilidade de interposição de recurso para impugnar a decisão de não admissibilidade de sua intervenção. No MS nº. 32033 o STF também decidiu que a pessoa jurídica ou natural que almeja ser admitida como amicus curiae em processo no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade tem legitimidade para interpor recurso contra a decisão que o inadmitiu.

[21] Essa previsão segue o entendimento do STF, que já admitiu a interposição de embargos declaratórios visando a modulação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade (RE 500.171, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 03/06/2011).

[22] BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit., p. 553.

[23] TUPINAMBÁ, Carolina. Novas Tendências de Participação Processual – O Amicus Curiae no Anteprojeto do Novo CPC. In: FUX, Luiz. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa – Reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 132.

[24] Trecho da exposição de motivos do Anteprojeto do Novo CPC. Disponível em: http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/160823.pdf.

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O artigo é por demais oportuno, notadamente, em razão de vez por outra nos depararmos com decisões conflitantes, viciadas ou até mesmo corporativas e dotadas de parcialidade própria; seja pelo membro do ministério público, corroborada pelo julgador.
A sensação que se tem é de uma rejeição, por parte dos magistrados, por, em tese, entenderem, se estaria a usurpar poderes, em especial, do MP.
De toda sorte, dada a maestria do subscritor, colimado ao art. 138 e ss do CPC, sendo de fácil ilação o legislador deixou muito a desejar nessa temática; razão pela qual, o instituto resta manifestamente inobservado quase na sua integralidade, pelos operadores do direito. continuar lendo